domingo, 27 de dezembro de 2020

Overdose.

 Tudo parece torto.

Cheguei no último barco.

Talvez devesse ter ficado onde estava e lutado até o fim por 

uma causa perdida.

Mas, pensamentos infames invadiram minha mente e dominaram

meu coração, e eu corri o mais que pude.

Um destino inglório; desapareceria anonimamente deste mundo.

Não foi isso que me prometeram.

E eu fugi.

Sei que estou andando numa praia, mas não sinto a areia nem o cheiro do mar.

A  neblina densa confunde meus sentidos e eu me perco de tudo.

Às vezes tenho vagas lembranças de braços estendidos em minha direção.

Sim, eu já tive alguém.

Pais talvez, ou uma namorada, ou uma amiga, quem pode saber?

Este lugar que estou agora é mais a minha cara, todos são como eu.

Mas como cheguei até aqui?

O mar foi embora com a neblina e a areia se transformou em concreto.

Pessoas vão e vem, circulam sem destino.

Eu estou fazendo o mesmo.

Estou com fome, preciso muito das minhas coisas.

Alguém me ajude, estou desesperado!

Faço como os outros para conseguir o que quero.

Não é legal, mas quem se importa, desde que eu consiga o que quero.

Hoje tirei a sorte grande, consegui muita coisa!

Estou eufórico.

A fome se foi.

A dor se foi.

A luz vai sumindo bem devagarinho.

Acho que vou descansar um pouco agora.

Talvez eu finalmente durma!

quarta-feira, 23 de dezembro de 2020

Procurando Deus.

Por muito tempo em minha vida me perguntei, cadê Deus?

Fui à igrejas, templos, locais de fé.

 Conversei com padres, pastores, pessoas ligadas a religiões.

Mas, nada acontecia, nada me sensibilizava, estava cada vez mais cético

com minha busca.

A literatura me deixou mais cético ainda.

Um dia estava num lugar muito bonito, mas com o espirito triste, me

sentia deprimido.

Uma brisa mansa, fresca, passou por mim entrando não só pelas narinas, mas

por todos os meus poros.

Me senti muito lúcido e tive a impressão de ter alguém ali, do meu lado.

Não consegui me virar para olhar.

Nem precisei.

Lembrei de quando minha mãe me dizia: tome cuidado! Deus estava ali.

Do olhar de meus filhos: Deus estava ali.

Do abraço de um amigo querido: Deus também estava ali.

Por fim me veio a mente um trecho da bíblia que já tinha até esquecido.

O reino de Deus está dentro de ti e a tua volta; não em palácios de pedra

ou madeiras,

Rache uma lasca de madeira e Eu estarei lá; levante uma pedra e Me encontrarás...

Eu só não havia procurado dentro de mim mesmo.

Ele sempre esteve lá!

segunda-feira, 21 de dezembro de 2020

É Natal.

Queria ter nascido velho.

Teria sofrido menos. 

Teria amado muito mais.

Declame um poema para mim, que seja um dos meus.

Toda uma vida passada em um segundo, é muito tempo.

Cante uma música para mim, também das minhas.

Pois, sentirei saudades e ficarei triste e alegre ao mesmo tempo.

Mostre-me uma pintura minha, para eu lembrar o quanto excêntrico sou.

As pedras atrás de mim já estão muito gastas, não me siga para não cair em si mesmo.

Apenas voe sobre elas e siga seu próprio caminho.

Todos nós temos um.

Não sei se já sou um velho, ou um garoto que começa a ver sentido nas coisas.

Não importa.

O barco segue devagar no caminho traçado pelas estrelas.

Talvez eu ande sobre as águas ou pelo espaço, quem sabe?

Tudo é novidade, mas é aquela novidade de quando se é criança com cheiro

gravado na memória e tudo mais!

Sinto voltar em mim a euforia juvenil.

E pensar no quanto já vivi.

Nunca será mais a mesma coisa, e dai!

As flores que já estavam mortas no vaso murcharam e ficaram feias.

Amanhã colocarei novas flores mortas no mesmo vaso.

Tudo se repete sempre.

Tudo acontece conforme o que foi combinado previamente.

Não desta vez.

Alguém fugiu.

E uma criança chora no final da rua.




segunda-feira, 7 de dezembro de 2020

Doce Colina.

Sempre fomos enganados por promessas que não se cumpriram.

A vida, às vezes é só uma velha mentirosa.

Onde estamos agora?

Pra onde vamos se os sonhos acabarem?

Só queria sobreviver para ver tudo verde novamente enquanto o cinza se desfaz.

Meus passos são incertos.

Mostra-me o caminho seguro por entre os perigos das pedras, das pessoas.

Eu sou a terra que enxugará esse mar de lágrimas.

Serei sal?

Queria ser as delicadas e constantes brumas que emanam da minha verdejante

Doce Colina.

A neblina mágica que esconde a floresta e o vale, até que o sol venha para mostrar

toda a verdade, linda verdade.

Serei o último Caminhante Branco a encontrar o seu lugar?

Não terei como voltar depois de tirar minha máscara!

Talvez a comunhão com o novo lar me transforme em outro ser?

Ou talvez eu já seja outra pessoa há muito tempo.

Quero viver para sempre nesse novo lar fluido, leve com sons maravilhosos.

Aqui a vida explode de todas as maneiras em todos os lugares, a terra é fértil e 

rica, a água doce e pura, o céu de um forte tom de azul, que brinco comigo mesmo

imaginando figuras de fadas com as nuvens branquinhas.

No entardecer, bandos de pássaros passam a minha altura indo se recolher

e no céu carmesim se mesclarão com suas cores vivas formando o mosaico

perfeito para o final de tarde.

Contarei histórias sob as estrelas na noite nua e serei feliz, e talvez mais feliz

quando tiver de me juntar à elas no espaço sem fim.

Quando eu acender as grandes fogueiras no inverno, seres ancestrais dançarão sobre 

as brasas e mostrarão varias de suas formas em minha homenagem dando-me boas vindas

porque o lar dos antigos Caminhantes já me aceitou há muito tempo.

E quando chegar o Solstício de Verão, minha simbiose estará completa e serei como os

antigos Caminhantes, parte imortal de tudo isso aqui!


domingo, 22 de novembro de 2020

Elementais.

O que me alegra é plantar, ver brotar, crescer, frutificar.
Da eclosão do ovo, nasce o filhote do canário que fez o ninho
no beiral da casa.
Flores que nascem e desabrocham por toda parte, no mato no jardim, no vaso.
A festa que meus cães fazem comigo por qualquer coisa, a confiança o carinho
deles por mim.
Os bichos que aparecem de repente em casa por não entenderem o que eu estou
fazendo ali, na sua casa.
Lugar agora onde coisas do homem acontecem. 
Coisas inexplicáveis acontecem. 
Coisas de Deus sempre aconteceram.
Fiz daqui também meu lugar, peço licença, vou ficar!
Não atrapalho fico quietinho no meu canto, em troca plantei frutos para todos
nós, a terra me sorri, pois eu a amo.
Também tem quirera, alpiste e painço para os pássaros.
Para os tatus, pacas e capivaras, tem mandioca, milho e cana.
Se aparecer um Lobo-guará, lá se foi uns frangos, mas é assim mesmo, a natureza
nunca peca em seu ciclo.
O dia é intenso, pois o trabalho que eu vejo como diversão não termina nunca.
Coisas que faço, coisas que invento, tenho que rir de mim mesmo o dia inteiro.
Finalmente estou me divertindo, fazendo o que sempre quis, o que gosto.
E eu nem usei ainda meu detector de metais para procurar os tesouros do meu bisavô.
Mas, já observei a chuva, a neblina subindo das montanhas! Um dia vi um arco-íris por inteiro
de ponta à ponta nas montanhas, foi lindo.
Ver o sol da manhã refletir no riacho lá embaixo no vale, enquanto as vacas pastam, o
canto das seriemas em algum lugar na mata.
As noites são de alegrias, de fogueiras, de cometas e coisas que não sei explicar.
São tantas coisas que estou revivendo novamente, que minha mente ferve nesse corpinho
já castigado pela vida.
O tempo já não importa, apenas paro e observo a planta crescer, o bicho nascer e a vida
começa a fazer sentido.
Só peço a Deus, um pouco mais de tempo, agora que cheguei até aqui.
Um pouco mais de saúde, para poder continuar me divertindo com meu trabalho.
E muito amor pelo meu novo mundo elementar, tão necessário a todos os seres que o procuram.
Não sei se estou na palma da mão de algum ser mágico, só sei que estou feliz, e danço, danço...

segunda-feira, 9 de novembro de 2020

O homem foguete.

Me sinto como um foguete que vai deixando seus estágios para trás.

Estou apenas subindo enquanto meu tamanho diminui, minha carga fica

mais leve, minhas preocupações vão dando lugar a outras coisas.

Será que eu apaguei o fogo do arroz?

Que importância tem isso agora, eu não estou mais lá!

Aquela conta vencia hoje! 

Também não sei como irão receber.

Eu que era tão preocupado com tudo, a torneira pingando, as luzes acessas sem

necessidade, o que farão sem mim?

Tudo!

E talvez melhor.

Vão sentir saudades?

Sim, alguns.

Estou divagando com perguntas e respostas, amo todos que ficaram, gostaria 

de ter dito isso com mais frequência a todos eles, que pena!

Espero não ter deixado ninguém magoado comigo, se deixei não tenho mais

como reparar isso ou pedir desculpas.

Estou me vendo por inteiro agora no meu longo caminho de vida.

Coisinhas que pareciam tão pequenas, tão sem importância naquela época, 

agora são tudo que eu queria ter feito, queria ter dito, queria ter vivido.

Esse talvez seja meu último peso imaginário que ainda sinto no coração, 

aquela dorzinha que parece ter vida própria.

Enfim, o que ficou para trás, bom ou ruim, agora é irreparável, já passou.

A vida nos dá todas as oportunidades de fazermos o que quisermos sempre, 

se fazemos o certo ou o errado, é problema nosso.

Só mesmo num momento como esse, de expiação, é que você mesmo se cobra,

você mesmo é o seu juiz.

Nem tudo que você se lembra foi legal ou bom.

Não me sinto muito bem por isso, mas fazer o que! 

Teve muita coisa boa também.

Momentos lindos.

Estou chegando no meu último estágio, acho que faz parte do processo

perder a consciência agora, não importa para onde eu vá, aprendi que as

mínimas gentilezas, os pequenos gestos, sempre importam.

Espero me lembrar de usá-los, adeus!

quinta-feira, 29 de outubro de 2020

Deus mora aqui.

 O gavião passou ventando  perto de mim, estava desprevenido e puxei 

a mão que segurava  na cerca, deu um taio fundo quando passou pelo 

arame farpado.

Fiquei bravo comigo mesmo, que bosta que eu fiz!

Corri pra casa e já passei um vinagre com sal pra modo de sarar logo e parar

de sangrar.

Tinha tanto serviço pra fazer, amarrei um trapo na mão e fui assim mesmo, quem é

ou já foi da roça sabe que aqui não tem moleza .

Quando voltei pra lida, que a dor foi passando o sangramento foi parando comecei 

a prestar mais atenção no meu mundo, no meu pequeno universo aqui no sítio.

Enquanto colhia uns cacho de banana, vi as garças pescando na lagoa, como conseguem engolir

um peixe tão grande?

Tinha uma cobrinha lá no brejo, deixei ela ir embora pra comer os ratos.

O anu-preto, com seu chorinho chato atrás das vacas, nem se compara com meus canarinhos 

e pássaros pretos, são todos soltos e livres no sitio, dou quirera todo dia, mais são meus, no meu 

pensamento e no meu coração.

As galinhas são um capítulo à parte, ô bicho besta sô.

Fico triste com os tucanos e gaviões, que comem tudo que é filhote de passarinho, mas 

são bonitos os danados e precisam comer também, né!

Aqui no meu pequeno sítio eu percebo que para o mundo andar, coisas boas e coisas ruins tem

que acontecer, não sei se é a lei de Deus, mas é assim que acontece.

Eu tento ver sempre as coisas pelo lado bom.

Se é dia de sol, o céu é lindo e azul.

Se é dia de chuva, é bom para as plantas e tem aquela sopa na janta.

Se é noite estrelada, fico fascinado pensando onde Deus mora.

Minha vida tem sido assim, desde que vim pra cá, um corte na mão não me deixa triste,

a viola espera uma semana.

Minha casa é pequena, mas minha alegria e meu mundo são enormes e Deus olha 

por mim, pois descobri que ele é meu vizinho!















sábado, 26 de setembro de 2020

Parabéns!

Me sinto estranho em estar tão feliz, mas não deveria.

Essa felicidade se deve muito a minha companheira que me escolheu para 

compartilhar de sua vida. 

Ela faz aniversário, não sei, que presente dar?

Sempre foi ela que me deu os mais preciosos presentes: amor, filhos, dedicação.

Não há nada de mim que eu possa oferecer que já não seja dela.

Mas, posso sempre lembrá-la que é a mulher da minha vida e que eu a amo

muito!

Feliz aniversário, Ivana!

segunda-feira, 31 de agosto de 2020

Elos.

Por que as pessoas se separam?

Porque elas pensam?

Esta noite não quero pensar.

Quero ser eu mesmo de uma outra maneira.

Meus olhos se firmam e miram o corredor estreito.

O copo de vidro cai de minha mão, se espatifando no chão.

O mundo é feito de cacos.

O mundo é vermelho.

Minha vida é como um vinho, que corre, escorre e se perde.

Com as mãos sigo as paredes já gastas e percorridas por outras mãos.

Elas estão sujas e apenas se trocam por outra vida.

Não sou cego, mas as paredes me sufocam.

Me ajude a levantar, caso eu caia.

Rodas de conversa não resolvem nada, só me levam e não me trazem.

Raios de sol obliquamente refletidos limpam a passagem, pulverizando uma horda

inteira de fantasmas do passado.

Quero ser crente em ti.

Quero ser seu caminho, sua volta, ida.

Quero ser você livre, eu também, eu também...

Por que as pessoas ficam juntas?

Muito provavelmente por amor!

sábado, 22 de agosto de 2020

Fehu

Tão improváveis expectativas de que coisas mágicas aconteçam

no meu dia.

Queria tanto que algumas das coisas que eu fazia voltassem e outras

desaparecessem para sempre.

Já não nos fazem mais orações, nem trazem oferendas.

O último andar da torre sempre fechado para os olhos das pessoas comuns,

menos para os meus.

O tédio dos dias no adaptar-se ao sistema.

O receio de ser descoberto e estragar tudo.

Passarão séculos até que tenham suas próprias torres e muito mais ainda até

que conheçam o seu interior.

Para mim, o tempo já não faz mais diferença, sei muito bem o que me espera,

digamos que adivinhei olhando os pequenos seixos de um rio muito, muito verde.

Nesse rio me equilibro numa folha de laranjeira onde predadores de batom vermelho com suas

bocas escancaradas se escondem na penumbra, esperando que eu caia.

Às vezes penso em surpreendê-los, me revelando à eles, e eu mesmo devorá-los!

Imagino o susto que não teriam?

Mas, me disseram para ser brando, pacífico com essas criaturas, tão

calmo quanto as águas desse rio verde.

Tão improvável quanto despercebido.

Só esperando o momento certo, aprendendo o que já sabemos há milênios.

Se não fosse a barreira dos mundos, a falta de um único órgão, um elemento

numa célula.

Tentativas após tentativas, sempre chegando perto, mas nunca alcançando.

Mesmo mutilado, transformado, gostaria de voltar para casa, nem que fosse

para morrer na beira de um rio radioativo muito verde com seixos que predizem

a sua morte, mas ainda assim é o seu verdadeiro lar.

sexta-feira, 14 de agosto de 2020

Calisto.

 Vejo fogo em teus olhos.

Me incendeio.

Sinto o cheiro de mulher. 

Quero almíscar ou jasmim.

Uma boca semi-aberta.

Uma porta para o desconhecido, sabor amor.

Um corpo nu, ali num canto do quarto.

Como desejo esse corpo.

Se tocar será pecado, se beijar será o que?

Se ficar só olhando serei santo.

Sinto calor, tenho febre, meu sangue parece lava.

Não quero ser santo.

Ela já me matou uma vez, há muito tempo.

Será que devo?

Eu sei que é doce, que é bom, e que tudo passa.

Menos a dor.

Meus pensamentos são seus, meu corpo é seu, minha alma é sua.

Talvez eu devesse ir embora e renascer em outro amor.

Tua beleza me seduz e teu corpo me prende em correntes invisíveis.

Como saber se realmente me ama?

Ou simplesmente me odeia?

sábado, 18 de julho de 2020

Minha Primavera.

Esse ano vou te dizer, minha Primavera lá no canto da cerca está de parabéns.
Ela deu tanta flor nos seus galhos longos que está parecendo um buque de flores.
E com o capim bem verdinho em sua volta, a coisa só melhora.
Parece que Deus andou fazendo uma pintura por ali.
O vermelho da primavera com o verde do capim ficou tão bonito que até as azaléias
próximas se encheram de flores rosas, pura inveja.
Até o curririnha gostou da primavera e resolveu fazer seu ninho lá.
Mas passou um aperto quando seu filhotes já estavam empenadinhos, quase que
o tucano pega eles; se não fosse os espinhos da primavera, já tinham ido pro papo
do tucano.
Gavião também não chega ali, é muito fechado e protegido.
Eu gosto de me sentar na varanda e ficar observando as minhas plantas, os meus
bichinhos, as galinhas ciscando, pegando uma minhoca, um grilo.
Os pássaros que voam ao meu redor na sua busca diária por comida.
Na cisma dos meus cachorros quando fico muito pensativo.
Meu amor está lá na cozinha preparando alguma coisa gostosa pra gente comer,
o cheirinho já vai longe.
Penso na noite que vai chegar, aqui na roça com o céu sempre limpo, poder ver
o infinto e mais além pra quem acredita em Deus.
Tenho comigo que todos podem ver e perceber coisas lindas o tempo todo, como eu,
detalhes do dia a dia encobertos por hábitos modernos.
Pequenas grandes coisas que acontecem bem na frente de nossos olhos.
Mas é preciso que também a alma esteja preparada para vê-las.
O espirito tem de estar em sintonia com a natureza, senão tudo se perderá
quando você piscar!
Quando você descobrir que todas as coisas estão relacionadas umas com as outras de
alguma maneira, vai saber do que estou falando.

terça-feira, 14 de julho de 2020

Nosso pé de Ameixa.

Ele existia na frente da nossa casa, perto do muro que fazia divisa
com a casa dos meus avós.
Quando frutificava, comíamos os seus frutos verdes mesmo, ninguém conseguia esperar madurar.
Já era velho, pois era grande, e a cada ano que passava diminuía seus frutos.
Grande amigo de nossas brincadeiras, desde pega-pega a esconde-esconde; quando
queríamos dar um susto em alguém, era só ficar imóvel em cima de seus galhos
esperando a vitima passar.
Jogávamos bolinha de gude sob sua sombra e construíamos castelos de terra com estradas
e fazendas com animais representados por chuchus, com pernas feitas com gravetos.
Eu e meus irmãos brincávamos empoleirados em seus galhos que nem macacos, pulávamos
dos galhos pro muro, do muro pro galho, de vez em quando alguém caía e se estropiava todo, mais
um motivo de gozação.
Éramos moleques mesmo, não era qualquer tombinho ou corte de caco de vidro que nos
impediam de brincar.
Acho que todos nós temos cicatrizes dessa época.
Hoje, quando vi uma foto minha com meus queridos irmãos, nós três sentadinhos e arrumadinhos
com nossas botinhas e roupinhas de sair sentados num banco na frente da Ameixeira, me deu
aquela pontada de saudade.
Saudades de um tempo feliz, da simplicidade das brincadeiras, do brilho que tínhamos nos
olhos e na alma.
Sinto falta do tempo dedicado uns aos outros, sinto falta até de nossas brigas de irmãos.
De qualquer forma, fico muito feliz com essas maravilhosas lembranças de nossa meninice
e do enorme patrimônio afetivo que sempre tivemos uns com os outros e ainda temos.
E o melhor de tudo, vivemos tudo isso juntos!

sexta-feira, 3 de julho de 2020

Misericórdia.

Perdidos na noite fria, vagamos sem rumo.
Não temos para onde ir.
Lugares e cantos já estão cheios de pessoas como nós.
Somos apenas pessoas esquecidas pela sociedade.
Um lixo humano, para alguns.
Só contamos com nós mesmos.
A fome nos acompanha à noite toda.
A madrugada úmida entorpece.
Doí tanto que às vezes mata.
Escuto vozes nas casas iluminadas.
Nos olham por frestas das janelas.
Risos de deboches.
Como podem?
Esquecidos nas ruas, só queremos misericórdia!
Enfim amanhece, agora só quero alguma coisa que me faça esquecer quem sou.
Misericórdia!

sábado, 20 de junho de 2020

Quebra-cabeças.

Nada... não existe mais nada que eu possa querer desta simples mutação.
Nem seria justo, pedir mais alguma coisa, tipo tempo!
Não há mais tempo.
Tempo e conhecimento são poder, eles não entendem o verdadeiro significado disto.
A luz de um raio pode ser eterna, e a formação de uma montanha pode levar apenas
um segundo, depende apenas do tempo de uma batida do seu coração.
Se você está amando, sim, é possível.
Que o amor dure o tempo que for preciso, não há pressa.
Há apenas sonhos desfeitos num longo caminho de volta a realidade.
Sexo virtual, não satisfaz nem o celular!
Estamos presos a máquinas de entretenimento, escravos modernos do ócio dentro de um quadrado.
Somos alienígenas com medo de alienígenas, isto é um misto de curiosidade e pavor.
Atravessar a ponte rumo a lugar nenhum, isto me excita, cria histórias.
Lendas e contos me  prendem a este mundo de hipocrisia.
Só a maldade humana que parece não ter fim.
O ser mais egoísta do universo, introduzido no planeta azul.
Que será de nós?
O que faremos para melhorar o mundo na semana que vem?
Nada!
Como sempre, não faremos nada, até que o mundo se acabe.
Uma simples carcaça de olhos fundos se olhando no espelho esperando pelo
fim abençoado, somos isto!
As máquinas contarão sobre nós, para nós em outros corpos, em outras formas, com outra mentalidade.
Talvez melhores.
Isto não muda o hoje, mas pode mudar você!
No momento estamos presos ao medo, aos tubos que levam oxigênio aos pulmões, a
esperança pela continuação da vida.
Não conseguimos alcançar as respostas que estão dentro de nós mesmos, isto é horrível.
Somos como um grande cofre, cheio de conhecimento e respostas, mas alguém jogou a chave fora!
Somos um quebra-cabeças com muitas peças faltando e sem tempo para achá-las!

terça-feira, 26 de maio de 2020

Terra amada.

Estou apenas tateando entre as brumas, não consigo me achar, fui jogado
no mar da confusão, qual é o meu nome?
Meu nome é tempo, sou um diamante trincado.
Uma entidade feminina me fez uma marca, (desgraçada) não guardo rancor quase que
nenhum.
Ouço os ruídos da cidade me chamando, não vou, não vou; sei dos seus perigos.
Mesmo os homens santos ferem.
Milagres são para os iluminados e ricos, para nós, a dor e o vazio, o nada.
As cores, todas elas não eram para trazer paz e alegria?
Não sei dizer, não enxergo entre as brumas!
Ainda não me encontrei como ser humano, sou apenas uma coisa ruim, jogada no
mar da confusão.
Não me culpem, apenas sigo o sistema, talvez eu perca pontos num programa de televisão.
Alguém tenta me salvar me chamando para o mundo real, mas eu já estou viciado em
fake news, sou apenas um drogado em contos da carochinha.
Até que se queime todas as chances de redenção não haverá luz no mundo, jogue-se no
mar agora!
Minha amiga morte vem me visitar, mas não me leva (desgraçada), pra onde vou, onde estou?
Ela me diz: você está no Brasil, querido!

quarta-feira, 20 de maio de 2020

Sou água, quero ser vinho.

Na beira do riacho, fico imóvel vendo as águas passarem no tempo que não volta.
Como o redemoinho das águas, que giram, batem nas pedras e apenas vão embora.
Penso que sou como a água, que roda, grita e luta, que quando acuada e destruída,
evapora e renasce como chuva.
Quantas vidas terei que ter em um minuto, se cada vez que penso em você eu morro?
Como a água, eu apenas passei na sua vida, você não bebeu de mim.
A gota de orvalho eterna dependurada na ponta do capim, sou eu a sua espera.
Não quero mais ser como a água, quero ser vinho.
O mesmo que enebria e conquista.
O mesmo que chama e vai buscar, seja o que for.
O que tem cor.
Que dizem ter um corpo que é infinito, mas breve.
Que tem sabor, que o tempo só melhora.
Não quero ficar imóvel se posso flutuar nas mentes em pensamentos, às vezes nada
ortodoxos.
Um portal de fantasias e desejos ocultos pela mansidão de um riacho.
Uma explosão de atitudes e buscas pela melhor forma de amor.
Quero meu tempo de volta.
Não quero ser água.
Não quero você.
Quero ser vinho!

sábado, 16 de maio de 2020

Dias felizes.

A promessa silenciosa, ignorada mas incômoda, sempre
presente nas contas a pagar.
Tantas coisas por se fazer ainda, viagens, aventuras, curiosidades
a serem desvendadas.
Muitas coisas já me são impossíveis, mesmo o exercício da paciência
tem que ter limites.
Mas o tempo passa inexorável e meu incômodo aumenta.
O suicídio emocional do fracasso é só mais um passo para a beira
do abismo, será que pulo?
A desesperança bate a porta do velho coração.
O tempo nos puni pelos erros, felizmente a maturidade nos ensina
que sempre poderemos ser felizes com o que temos.
Aí, alguém diz: dias felizes virão. Sim, virão, eu sei!
Sempre teremos mais uma chance.
Mesmo que o inverno da vida seja duro, ainda assim será apenas mais
um inverno, e passará como os outros.
Aceitar a si mesmo é o primeiro passo em direção contraria ao buraco.
O segundo, certamente, é aceitar outras pessoas como são.
E se você fez promessas a si mesmo, não esqueça que você é apenas um nadinha contra
um universo de adversidades, você já é um herói, viva sua vida.
Seja feliz com o que você tem, e faça outras pessoas felizes também.
Tudo que já se passou, bom ou ruim, só viverá na lembrança, viva as boas.
Não ande por um caminho que não seja o seu, as pedras te falarão e enxugarão suas  lágrimas.
Seguir o coração é apenas mais um caminho, o amor machuca, mas a gente sobrevive,
a razão totalitária pode ser sem graça.
Não pense no dia seguinte, pode estar chovendo e ser uma noite fria.
Viva sua vida hoje.
Aí, alguém diz: dias felizes virão. Sim ,virão, eu sei!

quarta-feira, 13 de maio de 2020

É tudo verdade!

Houve um tempo em que se dizia: a verdade está lá fora!
Procure e a encontrará.
Sempre procurei, e sempre os encontrei.
Cinquenta anos antes de ouvir essa frase.
Tão simples, só olhar para cima, observar com atenção o passado.
Na verdade, eles me encontraram, me deixaram saber que existem, mas não
me disseram nada.
Foi a pior coisa que me aconteceu, saber e não conhecer!
Não sei que utilidade uma criança de sete anos poderia ter para eles na época.
Só lembro de um clarão, uma inconsciência, muita dor e medo.
Hoje, sei o que aconteceu comigo depois disso; na época, eu não sabia, era uma criança.
Minhas percepções aumentaram num grau absurdo, podia prever coisas  dias antes  de acontecerem, mas não sabia o que era isso.
Só ficava assustado, com medo do que não conhecia.
Lembrando que estamos no ano de mil novecentos e setenta.
Sonhava que podia voar, que lia mentes, muito complicado tudo isso.
Depois de um curto período, parece que perdi essas anomalias para uma pessoa normal, mas
mantive a empatia com o desconhecido.
No ano de mil novecentos e setenta e nove, eu os vi no céu, pela primeira vez, de muitas.
Morava com uns amigos e, ao sair do nosso pequeno quarto para dar uma mijada na grama,
olhei para cima, hábito que sempre tive.
Era de madrugada, eles chegaram numa velocidade incrível, e simplesmente pararam alguns
quilômetros acima de minha cabeça.
Meu coração parecia que ia sair pela boca, ainda tive tempo de acordar uma testemunha preguiçosa
para ver aquilo.
Do mesmo jeito que chegaram, foram embora, foi mágico.
Hoje consigo entender o que me acontecia quando criança, vultos, vejo até hoje.
Só não entendo porque ainda tenho medo.
Agora existem videos, até as grandes potências estão mostrando o que antes era guardado a
sete chaves.
Sei que um dia será inevitável o contato, eles virão!
Sim, eles existem, para o bem ou para o mal, não sei!
Já tive muitas experiências em minha vida, já vi muita coisa, mas isso é uma outra história.
Só sei que estão chegando, e ainda tenho medo!
Continua...



sábado, 9 de maio de 2020

Rainha.

Ainda tenho medo do escuro. Onde anda você, para me dar coragem?
Sinto saudades do teu colo, do teu cheiro, das batidas fortes do teu coração.
Da segurança de quem me deu a vida e sempre me protegeu.
Quando fico assim, entristecido pela vida, busco forças nas nossas lembranças,
nos teus ensinamentos, na sua fibra.
Você nunca se abalou com as adversidades, sempre teve soluções para os piores
problemas.
Nunca deixou de me dar carinho, amor!
Não me importo de já estar adulto, ainda choro de saudades suas.
Você é a falta, o buraco em minha alma que jamais será preenchido, nunca!
Lembro que ainda no finalzinho você disse: fica com Deus, meu filho.
Mesmo com todas as dores, eu ainda era sua prioridade, motivo de suas preocupações.
O mundo não tem mais a sua companhia, você mora comigo, te fiz uma casinha dentro
do meu coração.
Num dia que nem hoje, vou te visitar, e vamos rir muito de tudo que vivemos juntos,
vamos lembrar das coisas boas e fazer troça das ruins, pois já terão passado.
Lembrar de tomar o teu café com bolo.
Mãe, num dia que nem hoje, eu só queria estar no teu colo, sentir o teu cheiro e
ouvir as batidas fortes do teu coração.

sábado, 2 de maio de 2020

Amor.

Me sinto como num caminho sem fim, sem paradas pra descansar, nem causos
pra contar.
Me sinto cansado desta estrada, aqui tudo parece que é morto e solitário, não
tem cor, não tem barulho, é tudo meio que morno.
Parece até que os viajantes, vendo a tristeza do lugar, não param muito tempo,
nem apeiam e nem pernoitam.
De cima do meu cavalo, perguntei ao velho na varanda de uma casinha simples,
por que, daquele lugar ser aquela desgraceira toda.
Tudo era cinza, meio russo, não tinha uma flor colorindo os campos, o povo triste e
carrancudo
O velho me olhou ressabiado, com má vontade me falou que ali não era assim, era
muito diferente, não faz nem um ano o povo sorria e mostrava os dentes.
Que nos campos tinham tanta flor, que o cheiro de perfume era tão forte que chegava
até a sufocar.
Era tudo verdinho, dava pra sentir de longe a maciez do capim, os bichos tudo gordinho.
De manhãzinha os passarinhos deixavam o povo doido de tanto barulho e cantoria.
Que aquele lugar era abençoado, tinha uma menina que era santa, nascida no mato, amiga
de tudo quanto era bicho, ajudava os véio, os passarinhos andavam assentados no seu ombrinho.
Fazia remédio pros doentes e plantava flor na beira da estrada.
Educada e prestativa, a menina era adorada por toda a vila, nunca se viu por aqui criatura tão
divina.
Mas, um dia bem cedinho chegou do norte um povo esquisito e bruto, com o gado erado, guiado
no berrante e tratado no chicote.
O peão mais novo, de primeira comitiva, quis fazer uma graça ao chegar no vilarejo, esquecendo
da boiada, e tiro pra cima foi metendo, a boiada estourou, levando no peito tudo em seu caminho.
Na ponta dos cascos, tudo que era vivo foi se acabando.
Foi então que a menina santa, pra salvar um cachorrinho, pulou na frente da boiada, coitadinha, foi
seu último ato de bondade.
Depois que a boiada passou, estavam ela e o cachorrinho mortos, os dois abraçadinhos.
Não teve uma pessoa daqui que não foi no velório, na missa e no enterro da menina santa.
Foi tudo muito triste, de cortar o coração. Até hoje o povo chora e reza pra ela com emoção.
Ficamos sabendo que até a boiada minguou e sumiu pelo caminho, nunca chegando na fazenda.
Esse lugar como o senhor está vendo, também se acabou, toda vida, toda alegria foi embora
com a morte da menina.
Eu, de cima do cavalo, com lágrimas escorrendo pelo rosto, perguntei ao véio: me diga uma
coisa, qual o nome dessa menina?
O véio também chorando, respondeu: amor, o nome dela era amor!

segunda-feira, 27 de abril de 2020

And you and l.

Sobre morrer...
Sim, tenho medo, na verdade, pavor!
Quando se tira nossa ilusão de proteção, de estar tudo bem, tudo muda de figura.
Na verdade nunca estivemos protegidos, nunca estivemos imunes a nada, podemos
simplesmente tropeçar no tapete da sala, bater a cabeça e morrer, simples assim!
Agora, quando se tem um inimigo invisível, um predador voraz, você perde seu campo
de força imaginário.
Aquela autoconfiança boba, tão necessária, que não serve para nada, vira fumaça.
Você fica como um náufrago no espaço sideral, sem chão, sem onde se agarrar,
com medo de explodir, tendo a única certeza de que seu oxigênio vai acabar logo!
Com certeza um dia vamos morrer, mas ficar acuado, com medo da morte passar pela
fresta da janela, nunca imaginei, é uma experiência inédita para todos nós.
Eu ouvindo, And you and I, fica mais surreal ainda.
Nunca pensei estarmos tão perto da nossa extinção, nunca pensei ser tão fácil o fim.
Se aparecer algo mais forte, com certeza será nosso fim.
Bom repensar a vida daqui para frente e rápido, aquela relação confusa, o dinheiro do
banco, o que fazer daqui para frente, etc...
No meu caso, não vou fazer nada: nada que não me dê prazer, nada que não me dê alegria,
nada que não me dê vida, pois enquanto penso e respiro, ainda sonho, e sonhos não morrem!
Minha estrada é longa, e meu coração é novo, não vou me entregar tão fácil assim.
Que venham todos os sonhos e amores da vida, meu relógio não para, estarei sempre aqui.
Que boas novas se sobreponham as más.
Que a vida me leve em seu colo de luz, e que a morte não me alcance, não me veja entre
os canteiros.
Brotos de esperança não devem ser ceifados.
Volte mais tarde, estarei em casa!

quarta-feira, 15 de abril de 2020

Minha escolha.

Não me siga, irmão, não dessa vez.
Sei que teme por mim, que se preocupa, mas fique onde está.
Ninguém pode me ajudar, esse caminho é só meu, eu o fiz.
Sim, todos me avisaram dos perigos, não dei ouvidos, eu sei.
Quando um homem persiste no seu erro, ele já fez sua escolha.
Pensei estar certo, talvez ainda esteja, só saberei no final da estrada.
Ou talvez tudo termine numa rua escura, não quero pensar nisso agora.
Coisas boas e ruins acontecem o tempo todo, vou esperar pelas boas.
Sei que sempre esteve do meu lado, algumas lutamos juntos, sei que você
estará lá, se eu precisar, mas, essa é só minha.
Aconteça o que acontecer, sempre diga a nossa mãe que estou bem, que estou
sem tempo, que qualquer hora apareço.
Amo todos vocês.
Você sabe, meu trabalho é fictício, são emoções e sonhos impossíveis que me movem.
Às vezes, até eu acredito!
Preciso continuar, não posso parar agora, há muita coisa a ser feita.
Minha cabeça gira sem parar, tantas coisas acontecendo, eu só observando, preciso fazer
alguma coisa.
Mesmo quando céu pegar fogo, devo estar lá.
Não posso parar no meio do caminho, tenho que continuar...
Essa vida de escritor está me matando, mesmo assim...
Tenho uma ideia para um livro, que Deus me ajude!
Amo vocês!

quinta-feira, 9 de abril de 2020

Lembranças da morte.

Agora somos apenas como folhas secas e mortas, nada será como antes.
E ninguém espera mesmo que seja.
O medo tomou conta de nossos corações, estamos esperando pelo pior.
Não há lugar seguro para ninguém, só pessoas encolhidas nos cantos de suas salas.
Há pessoas que fazem orações  pelos seus, e pensam que nada vai mudar, mas já mudou.
O mundo que conhecemos, já não existe mais, pois agora a loucura não vai ter mais fim.
O Deus, ou Deuses, já estão fartos de nós, e se divertem com a nossa incompetência.
Nos mostramos tão frágeis, tão ingênuos, que estamos morrendo no meio da rua.
De onde estou, vejo pessoas desistindo de lutar e se entregando à uma morte infame.
Não se entreguem, corram para seus lares, qualquer lugar seguro, eu lhes peço.
A morte vem de todos os lugares, a ira dos Deuses manda uma chuva de pecados.
Quando seu corpo queima, você fica louco e morre, simplesmente morre.
Como respirar nesse mundo de cinzas e trevas, tenham piedade, pois somos fracos.
Todos correm para algum lugar secreto, talvez mágico, mas isso não existe, não hoje.
Nesses momentos finais, de caos e morte certa, pessoas que se odiavam se tornam solidárias
umas com as outras, uma última redenção talvez.
Pela minha visão não adianta procurar a morte, ela virá até mim, vou me sentar, beber meu melhor
vinho e lembrar as coisas boas que vivi.
Quando ela chegar opressora, abrasadora, mortal, eu lhe farei um brinde de boas vindas e rirei de
sua face sombria.
   Plínio, 24 de agosto de 79, Pompéia.

terça-feira, 31 de março de 2020

A viagem de um miliciano.

Hoje ainda não matei ninguém, nem extorqui, pelo contrário
acho que meu chefe quer me matar!
A gente se dava tão bem.
Estamos sós.
Como que num lugar escuro, úmido, longe...longe...
Seria melhor dizer estou só.
Como num limbo, caindo, rodopiando e batendo nas paredes do abismo verde.
-Acho que o limbo é verde escuro, com um mesclado de cinza claro.
Aqui não poderei ouvir meus hinos, que merda!
Desperto dessa viagem com a cara no tapete verde, caí da cama de novo, e o
despertador ainda não parou de tocar.
Não tenho mais gás pra essas coisas.
Velhos hábitos, de velhas pessoas, não é uma coisa fácil de se mudar, nem tenho
onde ir.
Ainda espero por seres que flutuam e fazem coisas milagrosas.
Talvez vá até a esquina comprar pão, numa missão suicida.
Deixarei uma carta caso eu não volte.
Mas, quem irá lê-la? A vizinha me odeia, não dá nem uma rachadinha.
Vou levar meus cães de guarda para me proteger das sombras, eles as vêem.
O resto do mundo é cego, não enxergam as sombras.
Vou para a luz, onde seres galáticos me encontrarão.
Não posso ficar onde estou, ainda tenho medo escuro.
Por favor, uma Deusa linda me dê a mão, ou qualquer um serve.
Volto da padaria com o dever cumprido, os pães estão quentinhos, mas não
poderei comê-los.
Eles chegaram, finalmente vieram me buscar, não estarei mais sozinho, vieram
todos de branco, disfarçados.
Saudades do Kei-ros, minha conta do celular.
A vizinha perdeu essa.
Vou feliz para meu novo mundo, só não me deixaram levar meus cães de guarda!

sexta-feira, 27 de março de 2020

Consequências.

Eramos todos tão jovens, senhores arrogantes da imaturidade.
Muita música, muita adrenalina, hormônios explodindo e um
nada de paciência.
Tudo resolvido rapidamente sem pensar nas consequências.
Consequências que depois vinham aos montes, e sempre ruins.
Poderíamos ter esperado um pouco mais, acho que você também
não queria o fim.
Um fim só sentido muito tempo depois, com uma cabeça fria e um
coração doído, muito tarde para se olhar para trás.
Mas, sempre voltamos a cabeça para um último olhar.
Como em queda livre, eu tinha que segurar a sua mão, e não o fiz.
Só vejo seu rosto se afastando, e eu no vazio, me espatifando na solidão.
Você se lembra, de como eramos perfeitos um para o outro?
Você se lembra, eu e você contra todas as probabilidades, só querendo
ficar juntos?
Eramos muita coisa para uma cidade tão pequena, foi tudo ótimo, até eu
fazer merda, não cabia ciúmes entre nós.
Hoje só lembro de você se afastando e da chuva, nós dois molhados no
meio da praça, sua mão escorregando da minha, e eu caindo...caindo...

sábado, 21 de março de 2020

Sem medo da chuva.

Hoje, quando fui pegar a correspondência na caixa de correio, por
uma fresta do portão, eu vi um homem que caminhava com muita dificuldade.
Ele andava devagar e mancava da perna esquerda, seus passos eram lentos e sofridos,
muito sofridos!
Via-se a dor do esforço em seu semblante; achou um cabo de vassoura encostado
no muro e fez dele sua bengala, uma pequena ajuda para uma ação tão dolorosa.
O homem, com certeza um mendigo, vestia uma blusa de capuz bem surrada, calça e
sapatos velhos rasgados, trazia também uma bolsa a tiracolo.
Um rosto sulcado e queimado num corpo magro que caminhava pela calçada, ele não
podia me ver de onde eu estava, mas eu tentava decifrá-lo.
O tempo estava ruim e começou a chover, fiquei feliz por logo a sua frente existir um
toldo de uma loja fechada, poderia se esconder da chuva e não seria incomodado.
Mas, para meu espanto, ele simplesmente deu uma olhada para cima, como se para confirmar
que estava chovendo, não tinha raiva em seu olhar, nem medo, nem nada!
Ele só olhou, e continuou a andar.
Mesmo sabendo que não tinha para onde ir, que não teria um banho quente, nem roupas limpas
e secas, que a chuva fria só pioraria suas dores e reumatismos, ele passou pelo abrigo como se
ele não existisse.
A expressão do seu rosto me dizia que aquilo não era nada, que ele estava em outro lugar, que seu
mundo não era aqui, ele não tinha medo da chuva, nem das dores, nem de nada.
Tive vontade de ir atrás dele e lhe fazer perguntas sobre tudo, mas logo percebi que eu não
teria capacidade de compreendê-lo, pois ele não tinha medo da chuva.
Aprendemos coisas novas o tempo todo, com pessoas, com a própria natureza, mesmo assim
ainda somos apenas como crianças no nosso universo e há um outro universo de coisas ocultas
aos nossos olhos.
Ainda prefiro só imaginar;
Quem seria este homem?
Será que tem família?
Tem algum dom especial?
É um bruxo?
Um Santo?
Ou seria apenas mais um homem?
Talvez eu esteja errado e ele tenha um lugar para ir, talvez ele esteja indo para minha imaginária
Cidade Das Nuvens, lá com certeza terá abrigo e tudo que precisar, e eu poderei falar com ele, pois
seremos iguais, e não teremos medo da chuva!

Oferendas.

Eu te ofereço apenas um olhar perdido dentro dos teus olhos.
Não te cobrarei pedágio por passar por mim e fingir que não me vê.
Caminhos estranhos, que  nos juntam e nos separam, e de repente nos colocam
frente a frente, numa colisão desejada.
Quero fazer parte da tua agenda, quem sabe tua lista de prioridades.
Penso em te dar rosas, ou meu coração numa caixa, mas talvez ele não sobreviva a tantas emoções.
Queria saber como te alcançar, sem ter que pular na frente do seu carro.
Queria te dar carinhos e afagos nunca antes dados à outra pessoa.
Queria te levar a lugares onde nunca estive, para conhecermos juntos.
Penso que gostaria de alguns poemas que fiz pra você.
Talvez seja tudo um grande engano, uma ilusão de um ser apaixonado.
Uma música toca em algum lugar, ela fala sobre nós, de um amor não nascido ainda.
De um caminho a ser trilhado a dois, de um sonho que se torne realidade.
Muitas coisas acontecem o tempo todo, quem sabe você também não esteja procurando
alguém como eu.
Quem sabe, forças do universo não estarão presentes no nosso próximo encontro, poderia
te dar muito mais que um olhar perdido.
Eu te ofereço tudo, e nada, mas você também terá de vir buscar!

A fuga.

Você me cerca, mas não me leva.
Você me olha, mas não me fala o que quer.
Você me toca, mas não sente meu calor.
Talvez você seja apenas uma brisa que passa de tempos em tempos
pelo meu corpo, ou talvez um sonho que nunca termina.
Não sei o que pensar de mim mesmo, por ser essa pessoa tão dependente de caprichos
e vontades de outra criatura.
Aos poucos descubro que o amor é essa coisa cruel, que machuca, mesmo através de
um rosto angelical.
Asas!
Preciso de asas para fugir dessa ilha que você se tornou comigo dentro.
Um longo caminho até a saída, mas carinhos inesperados drenam minhas forças e eu
fico sem rumo quando você me olha através da minha alma e lê o que estou pensando.
Estou preso em correntes feitas por mim.
Tento te ignorar, mas nunca precisou me chamar duas vezes.
Talvez seja meu destino ficar sempre no teu compasso, o doce do perigo.
Mas, a sensação de viver na beira do teu abismo me fascina!
O bom da vida é vivê-la, penso numa fuga outro dia!

Encantamentos.

Te ofereço apenas tua salvação!
Uma fuga.
As águas vermelhas do rio te levarão para longe da tua aldeia.
Tuas atitudes serão como as chamas do inferno, contra ti mesma.
Cala-te.
Cala-te.
Cala-te.
Leia-se: feitiço, as palavras ainda não faladas, mas escritas.
Vinho.
Engole tua língua e assenta-te sobre a laje fria.
Sal.
Cobra fugida do rio de lava, volta para o teu abismo.
Espinho de cacto.
Teu sibilar não será mais ouvido por ouvidos mortais.
Gota de sangue.
Sua humanidade está perdida para sempre.
Folhas de faia.
Que os Deuses sombrios te acolham e prendam no vale da perdição.
Que a luz dos justos te mantenham em sua toca, enquanto justiça houver.
Bruxa dos pântanos, tua inveja é teu maior inimigo.
Saliva.
Minha aura vai te purificar, talvez um dia volte a ter braços e pernas!

quarta-feira, 22 de janeiro de 2020

Quem te levará até a porta?

Quem te levará até a porta?
Não serão as suas pernas, pois elas tremem.
Quem te levará até a porta?
Não será  seu coração, pois ele quer ficar.
Quem te levará até a porta?
Não será sua coragem, pois o medo da dor já te dominou.
Quem te levará até a porta?
Não será a esperança, pois ela acabou com a última surra que você levou.
Quem te levará até a porta?
O amor próprio, que você ainda não sabe que tem e precisa que lhe seja apresentado.
Quem te manterá segura do outro lado da porta?
A razão e as pessoas que te querem bem.
Você só precisa atravessar a porta!


sexta-feira, 10 de janeiro de 2020

Poesia para ninar mamãe.

Moro numa colina com árvores do começo do mundo.
Lá, eu mais mamãe cuidamos de tudo direitinho, na nossa simplicidade e
nos ensinamentos dos mais antigos, os mesmos que deixaram tudo pronto pra nós, por
assim dizer.
A casa de barro e sapê, eu nasci nela; quando eu ainda era criança papai morreu, mamãe acha
que foi bicho, pois ele sumiu!
Aqui nós não temos recurso, quando a gente sente alguma coisa, entra no mato, pega umas ervas,
faz um chá e reza. No outro dia já está bom, quando a reza é fraca demora mais.
A gente levanta bem cedinho. A passarinhada e os outros bichos não deixam ninguém dormir.
A lida é dura, mas é boa; nós vivemos da terra, dos bichos e do mato, tem tudo que se precisa.
Mamãe faz nosso café forte, com açúcar mascavo ou melado, às vezes mel, quando tem.
Uma broa de milho quentinha e uns biscoitos de nata.
Mamãe já é bem velhinha, fica magoada de não dar conta de todo o serviço, eu falo que não
tem importância, que é da idade.
Mesmo assim ela reclama que não consegue matar um frango, limpar um porco, que não enxerga
mais direito, fica com os remendos atrasados.
Eu digo que ela já fez demais, que é a minha vez de cuidar dela, mas ela não entende; de vez em quando fica até aborrecida comigo, quando faço algum trabalho dela.
Mamãe sempre foi muito trabalhadeira, sempre fez tudo.
Aos domingos levo ela para assistir a missa na velha charrete, passamos o dia na vila e ela fica a par das novidades.
A noite eu conto causos e histórias pra ela ouvir, e como ela gosta, tudo que ela mesma me ensinou,
mas ela não se lembra mais.
Tadinha! Se confunde e se atrapalha, mas é o meu amor.
Tenho muito medo por ela, não para quieta.
Mas, ela sabe... sabe tudo.
Que quando chegar a hora, eu estarei do seu lado, contando seus causos e histórias preferidos.
Forte por fora, mas sangrando por dentro, cantando as modas que ela gosta, e falando que tudo
vai dar certo, que Deus é maior que tudo.
E eu vou dizer pra ela:
Dorme, minha mãezinha, fica tranquila que o pai está vindo te buscar.
Quando acordar vai estar num lugar lindo, com os anjos que sempre me falou.
Todos os seus santos estão lá e vai conhecer Deus.
Eu vou ficar bem, não se preocupe comigo, vou buscar consolo aqui no nosso lugar, que também
é um paraíso, e um dia vou encontrar com a senhora.
Então teremos novos causos e novas histórias.
Dorme, dorme, mãe querida.
Tua luz se enfraquece. É o meu sol se apagando.
É como um enorme navio que abandona o cais e deixa só saudades.
A lembrança do teu amor e ternura nunca me abandonarão.
Meus dias se tornarão cinza, sem o colorido de tua presença.
Dorme, dorme, que a luz se apaga e no escuro eu choro baixinho para não te incomodar.
Dorme, dorme, que a tua essência se mistura ao cosmos, e com o nosso amor, embalamos
teus sonhos.