sexta-feira, 19 de novembro de 2021

Dona Janda.



De repente meus olhos ficaram marejados de lágrimas.

No brilho do rebrilho fosco do metal eu vi seu nome riscado a prego.

Coisa dos antigos, não importa. 

O que importa foi a felicidade e a saudade que teu nome me trouxe.

Lembrando-me do cuidado e do carinho que tinha para comigo, meu coração

diminuiu tanto que chegou a doer.

De nossas conversas de avó e neto ao arrozinho com cenoura, angu e molho

de tomate que só você fazia daquele jeito.

Tudo é saudade, mas sou grato ao universo por ser seu parente e ter te conhecido.

Estou em paz contigo, e onde você estiver espero que também esteja.

Trarei sempre boas lembranças de ti, gostava muito de nossas prosas e risadas.

Te amo muito, mãe das mães!

Nunca te esqueci nem esquecerei, mas hoje fiquei feliz de te lembrar com 

mais intensidade!

Fique em paz!

domingo, 14 de novembro de 2021

Verdades.

 Sou e faço minha própria estrada.

E ela é sem fim, não tem curvas.

As paradas são breves, pois o  caminho é longo.

Sou a solidão do meu caminho, não carrego mais todo aquele

peso que vem com as lembranças.

Meus dias são apenas um imenso deserto.

Sem amor, sem você, sem nada.

Sigo apenas o ar que respiro e nada mais.

Mas ainda gosto das músicas, elas me fazem bem.

Diminuem a tensão.

O caminho a percorrer existe.

Sinos tocam o tempo todo, todos os dias! 

Para quê?

Anunciam apenas o que ninguém quer saber!

O fim da vida, o fim das flores!

O amor é uma pedrinha esquecida ao longo do caminho.

As flores morreram.

O amor verdadeiro não existe.

É tudo mentira!

sexta-feira, 15 de outubro de 2021

Coração com tramelas.

 Vem, beija-flor, beija minhas flores, enche a barriguinha e

vai te embora a procura de outro doce.

Sobe rápido a colina, passa chispando por entre os ramos e 

some no mato.

De um verde azulado que é só seu.

Minha casa tem tramelas, quando começa a apagar as lamparinas 

é porque já está amanhecendo e o galo canta lá no fundo do terreiro.

Começa outro dia, mais um dia de trabalho que vai demorar a passar.

Meus pensamentos me abandonam e vão atrás de ti.

Queria eu ir mais longe e ter o seu amor.

Queria eu ter mais coragem de olhar bem dentro dos teus olhos e 

falar tudo, tudo...

Mas sou caipira, pego um boi à unha, mas não abro a boca.

Por isso, vou na missa e peço: minha nossa senhora, solta minha 

língua e liberta meu coração.

Coração esse que é igual minha casa de tramelas, só abre e fecha

por dentro!


quarta-feira, 29 de setembro de 2021

Primeiro dia.

Quantos de nós sobraram?

Seres que sentiam um frio na barriga, pelos eriçados, sentimentos 

à flor da pele.

Somos os primeiros depois de nossos pais e os últimos antes de nossos filhos.

Somos únicos!

Somos tão diferentes dos que vieram depois de nós, mesmo sendo nossos filhos.

Acho engraçado quando não me compreendem, pois não compreendia meus pais também.

E não compreenderão seus filhos, caso os tenham.

Somos aquele pontinho de merda no grande cosmos.

O capitão da nave que jogou a gente aqui agora se chama Deus!

Um Deus a que todos amamos, mas nunca obedecemos.

Não existe nenhum bicho parecido com a gente, ( desculpa Darwin ) se assim fosse, o macaco

seria muito mais parecido conosco.

O macaco deu certo!

Ainda sou a criança que sabia que podia voar, que podia entrar dentro da cabeça das pessoas

e saber o que pensavam, prever como seriam as coisas, etc...

Nunca precisar ir conhecer lugar algum, pois já estive lá.

Você também sabe que é assim, basta se concentrar e pronto!

Estamos tão distantes do primeiro dia, o dia da nossa chegada.

Já se foram tantas vidas, tantos corpos.

Onde estão meus livros?

Só não me confessarei mais a vós, pois a vida segue!




Buquê de flores.

 

Hoje é teu dia, para mim todos os dias são teus.

Fiz um buquê de flores para você.

Fui muito minucioso na escolha das flores.

Poderia ter comprado as flores.

Poderia ter colhido mil flores pelo caminho.

Mas usei somente e tão somente as flores que plantei,

ou aquelas que nasceram espontaneamente em nosso jardim.

Tirei de cada planta somente o suficiente para ganhar o teu sorriso,

e não maltratar as plantinhas.

Ficou um arranjo lindo e perfumado.

Como na vida,  ter o suficiente à vezes já é muito.

Como a tua coragem me torna forte.

Como o teu amor me torna livre.

Quero que me leve  por todos os caminhos que ainda não conhecemos,

por todos os anos e dias e horas que ainda não vivemos.

Me leva junto a ti, sempre ... sempre...

E que eu não me esqueça nunca que todos os dias são teus!

Feliz aniversário, meu amor!

quarta-feira, 11 de agosto de 2021

Pedras mortas.

Parece loucura, talvez seja mesmo.

Deuses de pedra carcomidos pelo tempo não podem mais

ouvir as suas preces.

Seus corações endureceram como o mesmo material que 

foram feitos, e em seus ouvidos de rocha só ecoam os gritos dos desesperados

ou então o silêncio da morte.

Seus olhos, agora opacos, perderam o brilho

o viço, devido  

a descrença humana.

Culpa deles mesmos por permanecerem tanto tempo inertes.

Um caminho repleto de imagens de homens, mulheres e gárgulas inúteis

só confirmam que sempre dependemos de nós mesmos.

Não voe se você tem medo das alturas.

Não lute se você é um covarde, fuja!

Não peça nada que não possa retribuir.

Eles não conhecem a dor, tão pouco sabem que você existe.

Mostre-se a eles.

Ande sobre suas cabeças caídas no chão que são apenas pedaços de pedra.

Não tenha vergonha de sentir medo, você ainda não é um herói.

Amanhã quem sabe?

Aproveite que ainda dormem, ou apenas se fingem de mortos!

Velhos pergaminhos não salvarão a sua vida.

Não confie em nada desse mundo ou de outro qualquer.

E lembre-se sempre: eles podem acordar a qualquer momento!

Lascivo.

Na gaveta, guardei meu coração depois de você.

Em tempos de sentimentos confusos, vontades duvidosas.

Me transcender em espírito seria melhor que fraquejar na carne.

Sinto que transfigurei em você, que fugi de mim mesmo.

Que covarde eu fui!

Tão fácil ceder ao corpo, ao prazer.

Me leva então, e não me devolve mais a mim mesmo.

Foge comigo pelos piores caminhos que souber.

Me leva e me usa a tua vontade.

Me mata quantas vezes quiser, apenas para teu prazer.

Me joga fora e me pega de volta, só para ver minhas lágrimas.

Lágrimas de gratidão e ódio.

Me  diz as mais verdadeiras mentiras, aquelas esfarrapadas mesmo!

Eu juro que acreditarei em todas.

Só para ver aquele lindo brilho de maldade que você tem em seus olhos!




sexta-feira, 30 de julho de 2021

Dona.

Às vezes ainda me pergunto se você realmente sentia o mesmo

frio na barriga, misturado com o rosto em brasa, como eu!

Se você tinha picos de adrenalina, misturado com toda sorte de pensamentos

quando olhava para mim, como eu sentia olhando para você!

Não sei se deveria ou é justo perguntar?

Não sei se era tudo verdade, ou tudo mentira.

Como saber?

Nunca mais existiu outra como você!

Acho que era isso que me fascinava, o seu gênio forte, sua independência.

Pensei estar feliz, me achei triste.

Me vi andando sobre nuvens, mas caí num abismo sem fim.

Como fazer a equação de tantos sentimentos de dor e alegria, vindos

de uma só pessoa?

Como sobreviver a tudo isso?

Não importa, tudo sempre acaba no carnaval.

Me vi liberto de minha amada dona.

E na quarta-feira me achei misturado com as cinzas!










domingo, 11 de julho de 2021

Imagem.

 Às vezes me fogem pensamentos  que não consigo conter nem 

evita-los de tê-los. 

Tenho medo que encontrem os seus!

Não sobraria nem uma linha reta para se seguir, só o eco de

um caminho muito gasto.

Corpos separados, braços esticados com dedos tentando tocar dedos

em mãos que se afastam e se perdem.

Tudo se perdeu por nada, em nada estamos, em sombras e redemoinhos 

de vozes caindo, caindo...

Um vento levou embora nosso momento, ficamos a deriva dos anos 

que nos traíram.

Uma imagem colada no cérebro, não posso mais voar sobre o muro, pois

tenho vertigens e passo mal.

Só a criança ainda brinca.

Só a criança ainda tenta.

Eu já não estou mais por aqui.

Corro atrás do vento e de uma imagem colada no cérebro!

segunda-feira, 7 de junho de 2021

Fé.


Tudo é movimento.

A Terra gira, o universo se move.

Meus pensamentos apenas riscam o tempo com flashes de lembranças tolas.

Mesmo com o todo o peso de culpas bobas ainda tento andar, só 

não sei ao certo para onde ir?

Aqueles que zombam da pessoa cega de amor também não sabem caminhar no

rastro do cometa.

Jovens de jaqueta jeans não fazem mais bailes em suas casas, nem pegam a 

estrada com a mochila nas costas.

Cadê as músicas boas?

Cabelo ao vento, Elis não canta mais, pois vivemos com e como nossos pais.

Eis que ainda estamos por aqui, e caminhamos trôpegos em ideais de terceiros que se julgam

muito espertos.

Quando foi que o tempo parou, o sinal fechou e batemos de frente com o muro da ignorância 

moderna do século vinte e um?

Ando com saudades do passado, das coisas previsíveis e leves.

O presente é um tormento para todos e o futuro está tão longe de nós.

Quem sabe na semana que vem aconteça alguma coisa, talvez o mundo se acalme,

e as coisas voltem a ser como eram antes.

Quem sabe na semana que vem a gente acorde no sofá da sala e descubra que tudo 

isso não passou de um sonho ruim.

Apesar de tudo que está acontecendo, ainda tem uma coisa que existe desde que a humanidade

se entende por gente, e que nos conforta.

Ela se chama fé!

Andá com fé eu vou

Que a fé não costuma faiá

Viva Gil!

domingo, 30 de maio de 2021

Hoje não!



O silêncio não pode expressar tudo o que penso!

Tenho que falar, tenho que escrever, tenho que gesticular.

Tudo isso cansa e também me irrita, mas de teimoso que sou não desisto

e vou lá, bem no comecinho só para contrariar meu pequeno ego.

Com um giz quebrado, risco uma linha quase reta no chão e tento andar

sobre ela, caio dez vezes, morro dez vezes antes de chegar na outra ponta, mas

no final ainda estou inteiro.

Ainda consigo ser assim: um pouco torto, mas indestrutível. 

Quando as palavras me faltam, me perco, muitas vezes tenho preguiça de 

escrevê-las, então eu danço, pois sou péssimo desenhista.

Mas lembro de um tempo em que eu dançava muito bem e era jovem, e era vivo.

Eu seguia uma luz de uma mulher que se apagou na última música, do último baile,

do último dia da minha inocência.

Não tinha ninguém para colar um coração quebrado, só o tempo.

Não digam nada, ainda posso andar por caminhos úmidos e sombrios sozinho.

Ainda que eu prefira as veredas e plante rosas brancas, eu amo as margaridas.

Gostaria que o mundo se enchesse delas, só pela lembrança das cores, do cheiro,

do gosto da infância feliz.

Talvez amanhã eu acorde diferente, hoje estou do avesso.

Talvez amanhã eu escreva um livro ou um poema.

Talvez amanhã eu vá à praia, e dance e brinque.

Talvez amanhã eu seja outra pessoa.

Hoje não!

domingo, 9 de maio de 2021

Minha Mãe é uma loba.

Mãe é um ser maravilhoso e ao mesmo tempo um bicho completamente doido!

Mãe te segura, te alinha no caminho certo, te protege.

Mãe cura tuas feridas e te aninha em seu colo.

Mãe é como um templo que a todos acolhe e ama.

Mãe te empurra para vida e puxa de volta se houver perigo.

Mãe te leva e te traz e segue junto nos teus sonhos mais loucos.

Mãe não vê dificuldade, não vê perigo, quando é por você.

Mãe não tem preguiça, trabalha e luta todos os dias, mesmo quando

está doente.

Mãe fica feliz quando o filho(a) se dá bem na vida, que progride, segue em frente.

Minha Mãe é uma loba que sempre lutou pelos seus filhotes e lambeu suas próprias cicatrizes.

Meu carinho e admiração a todas as Mães que são como a minha!

Sim, elas existem,  são mulheres fantásticas!

segunda-feira, 3 de maio de 2021

Consulta.

 Então vamos tentar com frases soltas!

Uma situação?

Aquilo que te dá medo?

O quê você não fez?

-Já fui injusto!

-Ferir inocentes!

-Ter coragem de seguir em frente em certas coisas!

-Mesmo assim, tenho para comigo não ter como ter agido diferente em nenhuma

das perguntas!

-Não seria eu!

sexta-feira, 9 de abril de 2021

Tinha uma vaca em cima da casa.

 O dia tinha sido difícil e de muito trabalho, eu estava morto 

de cansado, jantei e já fui dormir.

Me deitei pensando nas tarefas do outro dia, de resto tudo normal,

só o gado que pasta perto da casa um pouco mais agitado do que 

de costume.

Logo peguei no sono.

Foi de madrugadinha que o apocalipse aconteceu, tudo ainda escuro.

Um barulho do fim do mundo, a casa tremia toda, pedaços de telhas e madeiras

caiam em cima de mim.

A lamparina já tinha se apagado há muito tempo.

Eu ouvia o tropel dos animais, o latido do cachorro, mas não conseguia ver nada.

Tudo girava a minha volta e para completar cai uma telha na minha cabeça!

O barulho dos animais era muito forte, eu não achava nada, nem fósforo, nem vela, nem

a miserável da lamparina.

O tremor não parava também, pensei em terremoto, pensei nas minhas galinhas,

pensei na Rosinha.

Comecei a namorar a Rosinha semana passada, que iria ser de mim, se a casa caísse e

eu morresse?

O medo e o pavor tomaram conta de mim, pulei da cama toda cheia de entulho

e tateei em busca da porta, tinha coisas impedindo de abri-la.

Pulei pela janela que não tinha nem tramela, rolei pelo chão do quintal,

já estava todo ralado e tonto.

Foi quando me afastei da casa e dei uma aprumada que tive uma visão medonha!

A besta, o demônio estava em cima do telhado, destruindo tudo, às vezes mugia, às vezes

rugia!

Me benzi várias vezes e saí correndo pra casa do meu vizinho, compadre Nemércio.

Quando lá cheguei, acordei todo mundo, foi um alvoroço só! 

Contei tudo que aconteceu, sem vergonha nenhuma de ter saído correndo do

assombração. 

O compadre também ficou com medo e disse que era para esperar amanhecer

pra gente voltar lá, com um crucifixo e água benta, e a cartucheira né!

Ninguém mais dormiu, foi só conversa de assombração o resto da madrugada.

Quando clareou, tomamos um café bem forte e com o cu na mão voltei pra minha casa.

A medida que íamos nos aproximando, o coração disparava.

Quando chegamos a uma certa distância em que podíamos ver os contornos da casa,

eu e o compadre Nemércio, levamos um susto, a besta ainda estava lá se mexendo e fazendo

um barulho horrível.

O bicho parecia ter orelha pontuda, focinho e chifre.

Compadre que era bom de tiro, passou a ponta da bala na água benta e mandou ver.

Foi um tiro só, a besta parou de se mexer e ficou quietinha.

Podia ser uma armadilha do tinhoso, pensamos, mais um tiro, só por garantia, pois 

o compadre ficou muito impressionado com a cena.

A coisa estava meio misturada com o que sobrou do telhado, quando chegamos mais

perto o madeiramento não suportou mais o peso e o bicho caiu com o resto das telhas.

Literalmente cagamos nas calças, mas não corremos, estávamos congelados de medo.

Com o crucifixo e a água benta nas mãos fomos chegando devagarinho, coração

na boca, o bicho deu uma última mexida, mas o tiro saiu pra cima o compadre puxou

o gatilho antes, de tanto medo.

As coisas foram se acalmando e fomos cutucando o bicho e tirando o entulho de cima dele.

Por tudo que é mais sagrado, o que apareceu foi uma de minhas vacas, quando a poeira baixou

e pudemos enxergar direito.

Ficamos eu e o compadre matutando o causo!

Rodeamos  a casa, o pasto e matamos a charada!

A casa fica num nível mais baixo que o pasto, que tem uma cerca que os separam.

Encontramos um bezerro meio comido e pegadas de onça.

Conclusão: a onça atacou o gado e a vaca no desespero pulou a cerca caindo em cima

da casa, o barulho que eu ouvia era o rugido da onça e o mugido da vaca!

Mesmo assim, depois de nos limparmos, chamamos o padre pra benzer o local

e fizemos um churrasco com a carne da vaca para o mutirão que fez outra casa, só que desta vez longe do barranco!

quarta-feira, 31 de março de 2021

Invernada.

 Tudo que gira à minha volta é informação.

Não me interessa meias verdades de um conteúdo podre.

O que chega até mim não vale um peido de uma vaca!

Ainda tenho cérebro para ler nas entrelinhas da podridão do discurso do demagogo.

O nojo só não é maior do que o medo do fogo da floresta, das mortes inúteis e desnecessárias.

Me falta oxigênio, em pensar em tamanha incompetência.

Que Deus nos proteja das pessoas de bem, que usam armas.

Que pensam que a terra é plana.

Que Jesus ia perder seu tempo subindo no pé de goiabeira.

Que Deus nos proteja das pessoas de bem, que detestam negros!

Que não entendem o amor.

Que sempre foram más, que o anticristo as acolheu em seu pecado eterno.

Que são torpes.

Que rastejam em busca de vingança de quem nunca lhes fez nada.

Do ódio que pinga e sai de suas bocas nojentas.

Que Deus proteja o Brasil, que abençoe o capim e ilumine o gado, para o bem de todos!


terça-feira, 23 de março de 2021

Memórias de 79.

 Meu trabalho, meus estudos, minha vida social complicada.

Tantas loucuras que quero fazer, tenho até medo de algumas.

Outro dia até experimentei uma coisa, mas ainda prefiro um bom

e velho porre!

Tenho amigos, mas não tenho grana, então ando sozinho pela cidade: é 

grátis, e pode ser a qualquer hora, prefiro de madrugada.

Sou curioso, gosto de ver as coisas, tento ler as vidas das pessoas, me vejo nelas.

Às vezes vou na casa de meus amigos gays, rir um pouco e ser tratado como um

ser humano normal, eles me respeitam!

Meus amigos de infância me levaram no Studio Rack na semana passada, eu era 

o único branco da turma, foi divertido, pra eles!

Nossa turma vagava sem rumo nos finais de semana procurando onde teria som.

O dono da casa afastava os móveis da sala, abria espaço, chamava o pessoal e

ligava a vitrola, simples assim! 

De vez enquanto tinha briga, mas todo mundo já estava acostumado com isso.

E as garotas, maravilhosas, rebeldes, e a gente doido para dar uns amassos nelas.

Aventuras do nosso bairro são para sempre, principalmente, as amorosas!

Na volta pra casa sempre o último ônibus, se perdesse já era, tinha que andar mesmo!

Outra noite, como de costume, levantei de madrugada e fui mijar na grama, vi um disco

voador, chamei meus amigos que moravam comigo na república, ninguém acreditou!

Faço parte com meus irmãos de uma banda que se chama The Hawks, é divertido, e tem as garotas.

Minhas músicas são minhas poesias, e minhas poesias são como a chuva, o tempo, a vida, que

passa devagar e tenta mostrar o que vem depois do arco-íris.

Coisas loucas acontecem o tempo todo, o mundo está mudando e eu faço parte de tudo isso.

Tento, sem sucesso, esconder meus grilos e ser como eles, mas a vida me coloca em meu lugar

da pior maneira.

Mas nem tudo são pedras no caminho, tenho um amigo de pescaria que é casado e tem duas

cunhadas, elas vão pra Monteiro esse final de semana, quem sabe não vira!

Saio do shopping São José e já vou direto.

É meu programa dessa semana, mas pra semana que vem é pagamento, aí é Circus, bicho!

Eu trabalho, ganho pouco, mas me divirto, e esse ano de mil novecentos e setenta e nove está

sendo maravilhoso!


segunda-feira, 8 de março de 2021

A porta.

Encontrei a porta aberta, apenas entrei.

Se soubesse que era só mais uma porta, não faria nada. 

Não passaria de soleira em soleira, para não chegar a lugar nenhum.

Só queria um lugar para plantar margaridas.

Escutar o silêncio das coisas, ou então decifrá-las quando as mesmas

quisessem se comunicar comigo.

Mas, talvez ainda haja alguma esperança, com muito trabalho e carinho, acho 

que consigo  fazer disso um lar.

Há comunhão entre nós, coisa de antepassados, acho eu.

A terra me mostra suas dores e eu aprendo a curá-las.

Eu lhe mostro minhas tristezas e ela me faz feliz apenas com um ninho

de Canários da Terra, cheinho de filhotes nascidos na beira do telhado.

Vou lutar por este lugar, aqui ainda existe magia, lendas, seres da floresta e

do espaço.

Ele me atrai, já me sinto parte de tudo isto aqui.

Aqui irei plantar de tudo, pois temos muitas bocas para alimentar.

O medo se foi, junto com meu penúltimo corpo.

Todos os animais serão bem-vindos, pois o lugar sempre será deles.

Seres imateriais, não debochem de minha pessoa, pois posso vê-los e

acho engraçadas tuas vestes!

Sou muito velho, dentro deste corpo velho, mas apenas um embrião

esperando que a próxima porta se abra!

Sementes.

Dedo de Deus tocou nesse lugar.

Ora-pro-nóbis, que não falte alimento.

Céu, meu céu, ainda te tocarei.

Eterno, eu vou, você fica.


Colinas sobreviventes do tempo.

Ontem foi ontem.

Liberdade mora em mim.

Inspira e assopra, limpa tudo com redemoinhos de vento.

Não te deixarei jamais, mesmo que a memória me esqueça.

Amor, fica para sempre, te agarra em mim. 

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2021

Carnaval.

 Enquanto brigamos, empurramos o amor para debaixo do tapete.

Enquanto respiramos, inalamos mentiras jogadas ao vento.

Enquanto fingimos que vivemos, perdemos nossa identidade.

Seremos para sempre, furacões em choque dentro de um copo de água morna.

Salve-se, vá embora com a música.

O carnaval terminou triste.

Minha banda não tocará mais por você.

Salve-me, vá embora com meu orgulho ferido.

Como num rodopio frustrante tudo termina onde começou.

Sou um Arlequim malvado que jogou sua Colombina fora.

Antes tivesse dado uma volta ao mundo ou ido chupar gelo no Alaska!

Noites muito longas e solitárias me acompanham desde então.

O inverno mais longo de todos os tempos congelou meu coração.

Você não sabe, mas sempre será só minha, em algum lugar da minha alma.

Enquanto isso, alguma coisa se move devagar e dolorosamente em meu sótão.

Meu cérebro diz que é só o vento, meu coração diz que é saudade.

Mas, as cinzas não mentem, o nosso carnaval acabou!


sexta-feira, 5 de fevereiro de 2021

Inferno.

 Uma canção de ninar cantada baixinho, longe...longe...

Ela nos fala de lugares com montanhas impossíveis de serem escaladas,

a menos que se tenha asas.

Ou que se descubra suas cavernas profundas e sombrias, onde a voz da morte ecoa.

Que quando se chega lá, você se transforma, às vezes em camponês, outras vezes

guerreiro.

- Não pegue em armas contra teu irmão!

Um sino chama, mas para onde?

As pessoas o seguem, resignadas, arrastam seus machados.

O que virá agora?

Estamos muito cansados para levantar nossas armas.

Mas e os que se foram lutando a justa batalha?

Os que ainda estão sangrando, pedindo por ajuda?

A terra escarlate é a prova de tamanha covardia.

Que justificativa daremos aos que virão depois de nós?

O arauto da morte não serve mais como desculpa, fomos nós 

mesmos que o inventamos!

E ele se tornou voraz, cruel, medonho!

O vale da morte se abriu sob nossos pés, nossos pulmões queimam com 

uma morte lenta, mas e o ar?

Cadê o ar?

Ele fica só olhando, se divertindo com a situação.

Seu ódio queima a alma das pessoas.

Para deleite de seus seguidores, sim, ele os tem!

Seres medonhos, delinquentes, a ralé do ser humano.

Mas tão mortais quanto seu maldito mestre.

Ele é ser das trevas, suas maldades não tem fim!

Com sua faixa verde-amarela ele pode tudo!

Ele canta a sua canção de ninar grotesca, enquanto definhamos

e morremos bem devagarinho.

Então aparece alguém vestido de branco e diz: dorme, dorme criança,

quando acordar ainda estarei aqui!

E assim se passa mais um dia, no inferno!

sexta-feira, 22 de janeiro de 2021

Eu.

 Não diga nada ao mundo, diga a mim, ou para mim!

Sou apenas um deserto de coisas estranhas e secas.

Sou também muito, muito velho e tenho medo de tudo, deveria?

Somos muitos, em apenas um.

Por favor me ajude, o calor, o frio me corroem.

O que te peço, uma lágrima durante a chuva que nunca cairá.

Sim, a esperança é uma coisa tola e sem explicação.

Tudo que anda e pisa sobre mim, morre!

Nunca serei semente, nunca serei fértil, nunca serei vida!

Mas, serei sempre um desafio.

Uma tarefa a ser vencida pelo herói. 

Um enigma.

Decifre-me!

sábado, 9 de janeiro de 2021

Janda.

 De sua varanda ela enxerga toda a praça Comendador Freire.

Ela vela por todos nós.

Procura por rostos conhecidos - brincadeira ela viu nascer quase metade da cidade,

ou mais.

Ela procura por pessoas que talvez precisem de alguma coisa, tipo um ajutório, como se diz 

por lá.

E as pessoas vêm até ela, às vezes realmente precisando de alguma coisa, que ela sempre ajuda,

ou apenas para reverenciá-la, para trocar um dedo de prosa.

14 pessoas abençoadas tiveram o privilégio de chamá-la de mãe, muitas de vó, outras de bisa e 

outras tantas de madrinha.

Eu tive a honra de ser um de seus netos.

Sempre tive um enorme carinho por ela, desde que me conheço por gente.

Quando criança, quando adolescente, mesmo depois de homem feito quando ia trabalhar

na cidade, ela atravessava a rua e ia me chamar: "venha armoçar".

Tinha sempre um arroz com cenoura bem picadinho, uma polenta com molho de tomate

e alguma outra mistura, mas o mais importante para mim era ela ali, sentada do meu lado.

Quando terminava o almoço eu levava para ela um sorvete de leite moça que ela gostava

muito, e ficávamos ali, juntos olhando a praça, até chegar algum freguês no meu carro de sorvete e

eu sair correndo para atendê-lo.

Ela sempre me deu muito carinho, e tínhamos boas conversas.

Mesmo já doente, mesmo eu protestando dizendo para não fazer aquilo, ela teimosa, ainda

atravessou a rua uma última vez, para me chamar para almoçar. Sempre me vem aos olhos uma 

lágrima quando lembro.

Até hoje, quando desço aquela rua que dá para a sua varanda eu procuro por ela.

Sei que de alguma maneira ela ainda está lá, rezando por todos nós, procurando com

seus lindos olhos azuis, mas sempre enxergando com o coração e acolhendo com um sorriso.

É dona Janda, gostaria de ter te dito muitas coisas, mas a mais importante sempre será

eu te amo!