O dia tinha sido difícil e de muito trabalho, eu estava morto
de cansado, jantei e já fui dormir.
Me deitei pensando nas tarefas do outro dia, de resto tudo normal,
só o gado que pasta perto da casa um pouco mais agitado do que
de costume.
Logo peguei no sono.
Foi de madrugadinha que o apocalipse aconteceu, tudo ainda escuro.
Um barulho do fim do mundo, a casa tremia toda, pedaços de telhas e madeiras
caiam em cima de mim.
A lamparina já tinha se apagado há muito tempo.
Eu ouvia o tropel dos animais, o latido do cachorro, mas não conseguia ver nada.
Tudo girava a minha volta e para completar cai uma telha na minha cabeça!
O barulho dos animais era muito forte, eu não achava nada, nem fósforo, nem vela, nem
a miserável da lamparina.
O tremor não parava também, pensei em terremoto, pensei nas minhas galinhas,
pensei na Rosinha.
Comecei a namorar a Rosinha semana passada, que iria ser de mim, se a casa caísse e
eu morresse?
O medo e o pavor tomaram conta de mim, pulei da cama toda cheia de entulho
e tateei em busca da porta, tinha coisas impedindo de abri-la.
Pulei pela janela que não tinha nem tramela, rolei pelo chão do quintal,
já estava todo ralado e tonto.
Foi quando me afastei da casa e dei uma aprumada que tive uma visão medonha!
A besta, o demônio estava em cima do telhado, destruindo tudo, às vezes mugia, às vezes
rugia!
Me benzi várias vezes e saí correndo pra casa do meu vizinho, compadre Nemércio.
Quando lá cheguei, acordei todo mundo, foi um alvoroço só!
Contei tudo que aconteceu, sem vergonha nenhuma de ter saído correndo do
assombração.
O compadre também ficou com medo e disse que era para esperar amanhecer
pra gente voltar lá, com um crucifixo e água benta, e a cartucheira né!
Ninguém mais dormiu, foi só conversa de assombração o resto da madrugada.
Quando clareou, tomamos um café bem forte e com o cu na mão voltei pra minha casa.
A medida que íamos nos aproximando, o coração disparava.
Quando chegamos a uma certa distância em que podíamos ver os contornos da casa,
eu e o compadre Nemércio, levamos um susto, a besta ainda estava lá se mexendo e fazendo
um barulho horrível.
O bicho parecia ter orelha pontuda, focinho e chifre.
Compadre que era bom de tiro, passou a ponta da bala na água benta e mandou ver.
Foi um tiro só, a besta parou de se mexer e ficou quietinha.
Podia ser uma armadilha do tinhoso, pensamos, mais um tiro, só por garantia, pois
o compadre ficou muito impressionado com a cena.
A coisa estava meio misturada com o que sobrou do telhado, quando chegamos mais
perto o madeiramento não suportou mais o peso e o bicho caiu com o resto das telhas.
Literalmente cagamos nas calças, mas não corremos, estávamos congelados de medo.
Com o crucifixo e a água benta nas mãos fomos chegando devagarinho, coração
na boca, o bicho deu uma última mexida, mas o tiro saiu pra cima o compadre puxou
o gatilho antes, de tanto medo.
As coisas foram se acalmando e fomos cutucando o bicho e tirando o entulho de cima dele.
Por tudo que é mais sagrado, o que apareceu foi uma de minhas vacas, quando a poeira baixou
e pudemos enxergar direito.
Ficamos eu e o compadre matutando o causo!
Rodeamos a casa, o pasto e matamos a charada!
A casa fica num nível mais baixo que o pasto, que tem uma cerca que os separam.
Encontramos um bezerro meio comido e pegadas de onça.
Conclusão: a onça atacou o gado e a vaca no desespero pulou a cerca caindo em cima
da casa, o barulho que eu ouvia era o rugido da onça e o mugido da vaca!
Mesmo assim, depois de nos limparmos, chamamos o padre pra benzer o local
e fizemos um churrasco com a carne da vaca para o mutirão que fez outra casa, só que desta vez longe do barranco!