sexta-feira, 22 de janeiro de 2021

Eu.

 Não diga nada ao mundo, diga a mim, ou para mim!

Sou apenas um deserto de coisas estranhas e secas.

Sou também muito, muito velho e tenho medo de tudo, deveria?

Somos muitos, em apenas um.

Por favor me ajude, o calor, o frio me corroem.

O que te peço, uma lágrima durante a chuva que nunca cairá.

Sim, a esperança é uma coisa tola e sem explicação.

Tudo que anda e pisa sobre mim, morre!

Nunca serei semente, nunca serei fértil, nunca serei vida!

Mas, serei sempre um desafio.

Uma tarefa a ser vencida pelo herói. 

Um enigma.

Decifre-me!

sábado, 9 de janeiro de 2021

Janda.

 De sua varanda ela enxerga toda a praça Comendador Freire.

Ela vela por todos nós.

Procura por rostos conhecidos - brincadeira ela viu nascer quase metade da cidade,

ou mais.

Ela procura por pessoas que talvez precisem de alguma coisa, tipo um ajutório, como se diz 

por lá.

E as pessoas vêm até ela, às vezes realmente precisando de alguma coisa, que ela sempre ajuda,

ou apenas para reverenciá-la, para trocar um dedo de prosa.

14 pessoas abençoadas tiveram o privilégio de chamá-la de mãe, muitas de vó, outras de bisa e 

outras tantas de madrinha.

Eu tive a honra de ser um de seus netos.

Sempre tive um enorme carinho por ela, desde que me conheço por gente.

Quando criança, quando adolescente, mesmo depois de homem feito quando ia trabalhar

na cidade, ela atravessava a rua e ia me chamar: "venha armoçar".

Tinha sempre um arroz com cenoura bem picadinho, uma polenta com molho de tomate

e alguma outra mistura, mas o mais importante para mim era ela ali, sentada do meu lado.

Quando terminava o almoço eu levava para ela um sorvete de leite moça que ela gostava

muito, e ficávamos ali, juntos olhando a praça, até chegar algum freguês no meu carro de sorvete e

eu sair correndo para atendê-lo.

Ela sempre me deu muito carinho, e tínhamos boas conversas.

Mesmo já doente, mesmo eu protestando dizendo para não fazer aquilo, ela teimosa, ainda

atravessou a rua uma última vez, para me chamar para almoçar. Sempre me vem aos olhos uma 

lágrima quando lembro.

Até hoje, quando desço aquela rua que dá para a sua varanda eu procuro por ela.

Sei que de alguma maneira ela ainda está lá, rezando por todos nós, procurando com

seus lindos olhos azuis, mas sempre enxergando com o coração e acolhendo com um sorriso.

É dona Janda, gostaria de ter te dito muitas coisas, mas a mais importante sempre será

eu te amo!