quarta-feira, 22 de janeiro de 2020

Quem te levará até a porta?

Quem te levará até a porta?
Não serão as suas pernas, pois elas tremem.
Quem te levará até a porta?
Não será  seu coração, pois ele quer ficar.
Quem te levará até a porta?
Não será sua coragem, pois o medo da dor já te dominou.
Quem te levará até a porta?
Não será a esperança, pois ela acabou com a última surra que você levou.
Quem te levará até a porta?
O amor próprio, que você ainda não sabe que tem e precisa que lhe seja apresentado.
Quem te manterá segura do outro lado da porta?
A razão e as pessoas que te querem bem.
Você só precisa atravessar a porta!


sexta-feira, 10 de janeiro de 2020

Poesia para ninar mamãe.

Moro numa colina com árvores do começo do mundo.
Lá, eu mais mamãe cuidamos de tudo direitinho, na nossa simplicidade e
nos ensinamentos dos mais antigos, os mesmos que deixaram tudo pronto pra nós, por
assim dizer.
A casa de barro e sapê, eu nasci nela; quando eu ainda era criança papai morreu, mamãe acha
que foi bicho, pois ele sumiu!
Aqui nós não temos recurso, quando a gente sente alguma coisa, entra no mato, pega umas ervas,
faz um chá e reza. No outro dia já está bom, quando a reza é fraca demora mais.
A gente levanta bem cedinho. A passarinhada e os outros bichos não deixam ninguém dormir.
A lida é dura, mas é boa; nós vivemos da terra, dos bichos e do mato, tem tudo que se precisa.
Mamãe faz nosso café forte, com açúcar mascavo ou melado, às vezes mel, quando tem.
Uma broa de milho quentinha e uns biscoitos de nata.
Mamãe já é bem velhinha, fica magoada de não dar conta de todo o serviço, eu falo que não
tem importância, que é da idade.
Mesmo assim ela reclama que não consegue matar um frango, limpar um porco, que não enxerga
mais direito, fica com os remendos atrasados.
Eu digo que ela já fez demais, que é a minha vez de cuidar dela, mas ela não entende; de vez em quando fica até aborrecida comigo, quando faço algum trabalho dela.
Mamãe sempre foi muito trabalhadeira, sempre fez tudo.
Aos domingos levo ela para assistir a missa na velha charrete, passamos o dia na vila e ela fica a par das novidades.
A noite eu conto causos e histórias pra ela ouvir, e como ela gosta, tudo que ela mesma me ensinou,
mas ela não se lembra mais.
Tadinha! Se confunde e se atrapalha, mas é o meu amor.
Tenho muito medo por ela, não para quieta.
Mas, ela sabe... sabe tudo.
Que quando chegar a hora, eu estarei do seu lado, contando seus causos e histórias preferidos.
Forte por fora, mas sangrando por dentro, cantando as modas que ela gosta, e falando que tudo
vai dar certo, que Deus é maior que tudo.
E eu vou dizer pra ela:
Dorme, minha mãezinha, fica tranquila que o pai está vindo te buscar.
Quando acordar vai estar num lugar lindo, com os anjos que sempre me falou.
Todos os seus santos estão lá e vai conhecer Deus.
Eu vou ficar bem, não se preocupe comigo, vou buscar consolo aqui no nosso lugar, que também
é um paraíso, e um dia vou encontrar com a senhora.
Então teremos novos causos e novas histórias.
Dorme, dorme, mãe querida.
Tua luz se enfraquece. É o meu sol se apagando.
É como um enorme navio que abandona o cais e deixa só saudades.
A lembrança do teu amor e ternura nunca me abandonarão.
Meus dias se tornarão cinza, sem o colorido de tua presença.
Dorme, dorme, que a luz se apaga e no escuro eu choro baixinho para não te incomodar.
Dorme, dorme, que a tua essência se mistura ao cosmos, e com o nosso amor, embalamos
teus sonhos.